Porque vacinar os trabalhadores é insuficiente para a volta às aulas

Com pandemia fora de controle e sem políticas de monitoramento, testagem e rastreio, imunização é insuficiente para interromper cadeia de contágios

No dia 26 de maio, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou a antecipação da vacinação dos trabalhadores em Educação no Plano de Imunização do município. Essa medida é uma vitória da greve sanitária dos trabalhadores em Educação, que alertou sobre os riscos do retorno presencial em um cenário de insegurança sanitária e completo descontrole da pandemia.

A vacinação é, sem dúvida, um dos pilares fundamentais para o retorno das atividades escolares. A sua conquista, mesmo acontecendo após a reabertura das escolas da educação infantil na cidade, deve ser sim comemorada por todos os trabalhadores, que precisam se vacinar assim que possível.

Mas será que só a vacinação dos trabalhadores em Educação é suficiente para reabrir as escolas com segurança diante do cenário atual da pandemia? De acordo com os especialistas, não.

A vacina faz parte de um Tripé: que também inclui controle e protocolo

Em primeiro lugar é preciso salientar que o retorno presencial seguro é a principal bandeira dos trabalhadores em Educação. O Sind-REDE reconhece as limitações do ensino remoto, principalmente em um cenário de dificuldade de acesso, e os riscos psicossociais do afastamento por longos períodos das crianças e adolescentes da escola. Por isso, entende que as aulas devem voltar tão logo seja possível mas, isso é bem diferente de defender um retorno a qualquer custo, como tem feito os governantes e alguns setores da sociedade.

De acordo com a OMS, em uma declaração dada no dia 9 de abril, só a vacinação não será suficiente para domar a pandemia no Brasil. “Temos que parar de pensar que a crise se resolve com uma ou outra medida. A vacina é apenas um componente, e é preciso adotar ações amplas, apoiadas por líderes, apoiadas pelos Governos”, disse a líder técnica para Covid-19 da entidade, Maria van Kerkhove.

O assunto voltou a ser abordado no dia 18 de junho, pelo diretor geral da OMS Tedros Adhanom, em resposta as afirmações do presidente Jair Bolsonaro, que sugeriu o fim do uso da máscara. Adhanom afirmou categoricamente que “só a vacina não para a Covid no Brasil”.

Sabemos que a vacina tem um efeito coletivo muito mais poderoso do que individual. Embora seja um passo importante, nenhuma vacina é 100% eficaz, pessoas vacinadas ainda podem transmitir o vírus e, até mesmo adoecer, por isso quanto maior o número de pessoas imunizadas, mais seguro será para todos. Também é preciso lembrar que a imunização completa só acontece após cerca de 14 dias da segunda dose da vacina.

Para além da vacinação dos trabalhadores, um retorno seguro de fato para a comunidade escolar, em um cenário de vacinação a passos lentos e ainda sem previsão para imunização de crianças, também precisa garantir dois outros aspectos:

  1. Nível de controle da pandemia
  2. Protocolos rígidos para evitar surtos

Estes pontos são fundamentais para estabelecer um cenário de segurança para a volta às aulas, mas têm sido constantemente negligenciados pelo poder público.

Nível de Controle da pandemia

Existem alguns indicativos principais que devem nortear decisões políticas que levam a abertura ou fechamento da cidade. Para a reabertura das escolas, os indicativos apontados pelo próprio Comitê de enfrentamento da Prefeitura eram:

  • Número de infectados por 100 mil habitantes. Abaixo de 20 (faixa de baixo risco)
  • Taxa de transmissão (Fator RT): Abaixo de 1 (verde)
  • Ocupação de leitos de UTI e enfermagem: Abaixo de 50% (verde)

Infelizmente, a Prefeitura de Belo Horizonte tem ignorado os indicativos que vinha utilizando no início da pandemia, o que tem contribuído para o aumento dos casos. Entendemos que a pandemia é dinâmica e que os critérios podem mudar, mas diante das novas variantes o cenário tem sido de aumento das infecções. Vejam como estão os níveis atuais da cidade, baseado no boletim epidemiológico do dia 21/06/2021:

  • 425,6 novos casos por 100 mil habitantes (21,3 vezes maior que a faixa de segurança)
  • Fator RT: 0,92 (verde)
  • Ocupação de leitos de UTI: 71,1% (vermelho)
  • Ocupação de leitos de Enfermagem: 52.6% (amarelo)

Outro fator que devemos prestar atenção está na mudança da faixa etária das internações, que atinge pessoas cada vez mais jovens. Hoje, a maior parte dos internados por Covid-19 tem entre 40 e 59 anos. E o número de jovens de 20 à 39 anos tem crescido e tende a superar o de idosos a médio prazo.

Protocolos rígidos

Além de manter a pandemia sob controle é preciso pensar em protocolos rígidos que garantam um alto grau de prevenção da doença, além da possibilidade de detecção precoce de surtos e rastreio de infectados, além de critérios claros para fechamento e reabertura das escolas.

Há um grande amadorismo quando se fala de protocolos de segurança no Brasil, como se o uso de máscaras de pano, o uso de álcool em gel e o distanciamento entre as carteiras fosse o suficiente para prevenir a Covid. Mesmo ideias mais sofisticadas, como o funcionamento por bolhas, apresentam furos graves, pois o protocolo prevê que os trabalhadores acabam tendo contato com mais de uma bolha no mesmo dia.

Do ponto de vista da detecção e rastreio, a coisa piora ainda mais. Segundo a nota técnica Quantificando o impacto da reabertura escolar durante a pandemia de covid-19, publicada no dia 04 de maio pelo projeto ModCovid19, coordenado pelos professores Claudio Struchiner (FGV e UERJ) e Tiago Pereira (USP São Carlos), uma volta às aulas sem testagem, rastreamento e isolamento de casos confirmados – pode significar um aumento de 270% nas infecções por coronavírus na comunidade escolar, em até 80 dias letivos.

A reabertura das escolas deveria estar condicionada a realização recorrente de testes RT-PCR em todos os estudantes e funcionários. Com isso, seria possível garantir o isolamento das pessoas infectadas de forma precoce, inclusive de assintomáticos, evitando grandes surtos.

Junto a isso, em casos confirmados, seria preciso realizar o rastreamento de todas as pessoas com quem o estudante ou trabalhador infectado teve contato, para que estas pessoas também sejam isoladas e não contaminem a sua comunidade. O RT-PCR é um único teste capaz de detectar a Covid no momento da infecção, por isso ainda é o único teste indicado para a prevenção de surtos.

Também é preciso ter critérios claros para o fechamento e reabertura das escolas. Em Belo Horizonte temos visto diversos casos onde vários trabalhadores testaram positivo para a Covid-19 e mesmo assim a escola manteve o seu funcionamento. Trabalhadores sintomáticos deveriam ser afastados imediatamente e só retomar ao trabalho, em caso da confirmação de resultados negativos nos exames.

Também é preciso garantir EPIs de qualidade para os trabalhadores e estudantes. Como existe um consenso de que o coronavírus se espalha principalmente por aerossóis e não gotículas, as máscaras de pano tem uma eficiência reduzida, principalmente em lugares fechados. Por isso, é preciso garantir a distribuição de máscaras PFF-2 em tamanho e quantidade adequadas para todos. A ventilação nos espaços é fundamental, com a necessidade de abertura das janelas e redução do número de estudantes por professor.

Retomada sem condições seguras é assumir riscos de aumento de infecções e perda de vidas

Se a vacinação sozinha não é suficiente para garantir a segurança no retorno presencial das atividades escolares, estudos apontam que a imunização dos trabalhadores somada a um bom controle da pandemia fora da escola e protocolos internos rígidos e bem planejados podem sim garantir essa segurança. Por isso a abertura não pode acontecer sob qualquer circunstância.

O Brasil voltou a superar a marca de 2 mil mortos por dia, atingindo mais de meio milhão de óbitos no total. Em números oficiais, somos o segundo país em que a Covid mais matou, perdendo apenas para os Estados Unidos, mas com um agravante, aqui as mortes não param de subir. O número de contágios permanece alto, o que beneficia o surgimento de novas variantes, como é o caso da p.1, p.2, b.117 e a Delta, com maior potencial de infecção.

Mesmo no cenário local a situação não é muito melhor, mais da metade dos leitos de Belo Horizonte foram abertos no último semestre e nem isso foi suficiente para manter os índices de ocupação abaixo da faixa vermelha.

Para reabrir escolas com segurança é preciso, em primeiro lugar, garantir esse controle, o que significa a possibilidade de fechar outros setores da economia, diminuindo a circulação e o contato entre as pessoas, avaliando inclusive a possibilidade de lockdown, que depende de políticas assistenciais para ser mantido.

Para dentro das escolas, é necessário que as equipes sejam treinadas e que os furos dos protocolos sejam corrigidos, como um funcionamento de bolhas que de fato impeçam a contaminação cruzada, além de medidas de investigação, testagem e suspensão temporárias de turmas ou de toda a escola em caso de surtos.

A discussão sobre a retomada das escolas deve ser ampla e intersetorial, debatida com os trabalhadores em Educação e a comunidade escolar que são os principais atores envolvidos na ação, e quem de fato conhecem o ambiente escolar para definir o que pode ser aplicado ou não. Sem isso, qualquer tentativa de retomada, por mais bem intencionada que seja, representará um risco a vida.

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