A diretoria colegiada do Sind-REDE/BH manifesta seu mais veemente repúdio à aprovação, em segundo turno, do Projeto de Lei 825/2024 na Câmara Municipal de Belo Horizonte, ocorrida na última terça-feira (08/02). De autoria da vereadora Flávia Borja (DC), o projeto autoriza o uso da Bíblia como recurso paradidático em escolas públicas e privadas da capital, sob o pretexto de tratar a obra como fonte de conteúdo histórico, cultural, geográfico e arqueológico.
Para o Sind-REDE/BH, trata-se de uma proposta inconstitucional, que sequer deveria ter avançado na Comissão de Legislação e Justiça (CLJ), por ferir frontalmente o princípio da laicidade do Estado, previsto na Constituição Federal de 1988. Ao privilegiar um único texto sagrado — vinculado a uma tradição religiosa específica — o projeto promove o proselitismo religioso nas escolas e viola o direito à liberdade de crença, à diversidade e à não imposição de valores religiosos nos espaços públicos.
A escola é, por excelência, um espaço de formação cidadã, crítica e inclusiva. Ao permitir o uso da Bíblia como material paradidático, o PL 825/2024 ignora a rica diversidade religiosa e cultural do Brasil, onde convivem adeptos de diferentes tradições, como o islamismo, o candomblé, a umbanda, o budismo, além de pessoas não religiosas e uma ampla gama de vertentes religiosas. Como explicar a uma criança muçulmana ou de religião de matriz africana que seu livro sagrado não possui o mesmo reconhecimento? Como garantir que estudantes que não professam religião não se sintam constrangidos ou excluídos em atividades escolares baseadas na Bíblia?
Ainda que o projeto alegue que a participação em atividades relacionadas ao uso da Bíblia não é obrigatória, sabemos que, em uma sociedade onde o cristianismo é hegemônico, a não participação pode gerar situações de assédio, bullying e constrangimento entre estudantes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/96) é clara ao estabelecer que o ensino deve pautar-se pelo respeito à liberdade, à tolerância e ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.
A escolha de materiais paradidáticos deve estar diretamente vinculada aos projetos político-pedagógicos das escolas e à formação dos educadores, respeitando critérios técnicos, científicos e multiculturais — jamais baseados em ideologias religiosas. O uso da Bíblia como fonte histórica, geográfica ou arqueológica, sem mediação crítica e qualificada, representa um desvio do caráter laico e científico da educação.
É preciso destacar ainda que a Bíblia não é um texto neutro ou universal. Sua interpretação varia entre denominações cristãs e contém passagens que tratam de temas como escravidão, violência, misoginia e intolerância, incompatíveis com os princípios de uma educação voltada para a cidadania e os direitos humanos. Muitos trechos da obra não são apropriados para crianças e adolescentes, e seu uso pedagógico exige mediação especializada que nem sempre está presente nas escolas. A falta de clareza sobre como o texto seria trabalhado abre brecha para discursos fundamentalistas, em descompasso com a educação emancipatória.
O Sind-REDE/BH reitera sua defesa de uma escola pública, laica, democrática e acolhedora, onde todas as crenças — ou a ausência delas — sejam respeitadas, sem privilégios ou hierarquias. A educação não pode ser instrumentalizada para atender projetos de poder baseados no fundamentalismo religioso.
Exigimos que o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) vete o PL 825/2024, por sua flagrante inconstitucionalidade e por representar um retrocesso grave nas políticas educacionais da capital. Cabe ao poder executivo preservar o caráter laico da educação e garantir que nenhuma iniciativa legislativa comprometa os princípios constitucionais que regem o ensino público em nosso país.
A aprovação do PL 825/2024 é um ataque à pluralidade, à liberdade religiosa e à autonomia pedagógica das instituições de ensino. Seguiremos firmes na luta por uma educação que valorize a diversidade, a ciência, o pensamento crítico e os direitos de todas e todos.
Por uma educação plural, crítica e emancipadora!