Os governos estão impondo o EAD (Educação a Distância) como solução para os estudantes diante da crise da Covid-19 e da suspensão das aulas presenciais em razão do necessário isolamento social. Mas, ao estabelecer uma modalidade de ensino não condizente com a realidade da escola pública no país, na prática, está ferindo os direitos de milhões de estudantes e suas famílias.
A falta de infraestrutura básica na casa dos trabalhadores e trabalhadoras, seja tecnológica ou de renda, são barreiras reais para a efetividade deste método. Professores também encontram dificuldades de acesso a essas plataformas online e questionam essa metodologia de ensino como a mais eficaz.
Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil aponta que em 2018 o telefone celular era o único meio de acesso à internet da classe C, com 61%, e D/E, com 85%. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 55% dos acessos móveis do país são pré-pagos.
Os estudantes, principalmente os mais pobres, que moram em favelas e comunidades, hoje estão expostos ao risco da morte iminente, e não têm as condições mínimas de fazerem as atividades, mesmo que estas sejam opcionais.
“Vivemos um processo de educação excludente e a maioria da população pobre e negra tem os piores acessos. Não tem computadores, tablets ou internet de qualidade. Inclusive, nas grandes cidades, vivem em moradias precárias e com poucas condições. Vivem, agora, em busca pela sua sobrevivência e a garantia da quarentena. Devemos fazer uma discussão anterior, para garantir que todos tenham acesso às tecnologias, computadores e internet”, avalia a integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Joaninha Oliveira que também compõe o setorial de Educação da Central.
Para a dirigente não é apenas o não acesso à tecnologia o problema, mas também o não acesso dos trabalhadores aos direitos básicos, e que estão na fila para receber o auxílio de R$ 600 fornecidos pelo governo, e que ainda é insuficiente para suprir necessidades mínimas.
EAD é privatização
Joaninha reforça que o processo de destruição da escola pública, que já vinha se aprofundando, agora, na crise da Covid-19, pode ser ainda maior. O EAD é um desses elementos de precarização, e já vem sendo apresentado há décadas como uma suposta alternativa para a melhoria da Educação ou mesmo ao seu acesso, quando, na realidade, é uma das formas de privatização da Educação. Isso vem ocorrendo em todos os governos, inclusive, com o ensino superior privado, onde milhares de cursos são online, desde a graduação até a pós-graduação.
Os governos gastaram milhões do dinheiro público para comprar plataformas de ensino, fornecidas por empresas que prestam o serviço. Com a pandemia, essa metodologia tem sido aplicada como solução para alunos que estão com as aulas suspensas.
Joaninha avalia ainda que o EAD, além de privatização e mercantilização da Educação, tem servido para sucateamento ainda maior do ensino, com geração de mais exploração do trabalho, desemprego e o aprofundamento das desigualdades.
A reforma do Ensino Médio, dentre outras medidas de destruição da educação, trouxe a ideia de flexibilização curricular ao possibilitar que 40% do currículo seja ofertado via cinco itinerários formativos: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. As emendas à LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e outras leis já preparam o terreno para que as grandes empresas entrem com tudo, entregando a educação aos tubarões do mercado.
“É o mesmo objetivo dos setores que antes eram estatais e que foram privatizados, como também querem fazer na Petrobrás, Correios e outros”, explicou.
“A aplicação do EAD trará não apenas a redução do número de professores, mas de todos os profissionais da Educação, dos trabalhadores técnicos, da limpeza, etc. Inclusive, hoje, a maioria da limpeza e cantina das escolas já foram terceirizadas. E, no modelo que querem implementar, não será utilizado para a melhoria da educação”, avalia Joaninha.
Sobrecarga de trabalho
Outro ponto importante de atenção é para o trabalho do professor, que não se resume somente em aulas, mas também ao planejamento, leitura, preparação e correção das atividades, verificação do que foi ensinado e o que os estudantes aprenderam e as tarefas burocráticas impostas pelos governos, que são os diários, relatórios, etc.
“A maioria trabalha além de suas jornadas. Tanto que hoje temos 1/3 de nossa jornada de trabalho destinada a planejamento e nossa reivindicação é que seja 50% da jornada. Temos que esclarecer o que significa nosso trabalho e que não se resume as aulas em si e que vão muito além”, aponta Joaninha.
A falta de condições mínimas de trabalho do professor também é outra gravidade. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Ceará com cerca de 4 mil professores de todo país – de escolas públicas e privadas – feita durante este período de pandemia, revelou uma sobrecarga de trabalho dos professores, com pelo menos 23% trabalhando entre oito e 12 horas e 7% mais de 12 horas por dia.
Essa realidade da sobrecarga de trabalho também está somada como o fato de muitos desses profissionais não possuírem o treinamento adequado para essa nova modalidade de ensino.
Além disso, as questões de gênero também devem ser levadas em conta, já que a maioria da categoria é composta por mulheres e, com isso, são as responsáveis pelos cuidados com filhos e da casa, o que torna o EAD ainda mais cruel. “O governo reforça uma jornada tripla de trabalho, mas a professora que tem seu filho em casa, não tem ainda a rotina de trabalhar remoto e em muitas localidades sequer tem computador, o que pode levar a uma estafa mental dessas trabalhadoras”, frisa Joaninha.
Diante desses vários desafios impostos, o Setorial de Educação da CSP-Conlutas defende a construção de comitês para discutir com a comunidade escolar soluções possíveis para o ensino diante da pandemia.
“O setorial da Educação se reuniu e observou as contradições e ineficiência desta modalidade [EAD] nacionalmente. Precisamos achar uma alternativa de comunicação com a comunidade escolar”, argumentou Joaninha.
Para isso, o Setorial defende também abrir uma discussão nos estados pela suspensão do calendário escolar durante a pandemia, além da suspensão do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
Confira abaixo as medidas defendidas:
- Contra EAD e aulas remotas. Ampliar e intensificar a campanha contra a privatização da Escola Pública e da Educação;
- Contra as aulas remotas. Por discussões de auto-organização com a comunidade escolar, que democraticamente deve decidir o que pode fazer nesse período;
- Estabilidade de emprego para todos os contratados e terceirizados, garantia de emprego, assistência às famílias através de cestas básicas, referendada pelo valor do DIEESE;
- Nenhum desconto! Contra a retirada de direitos que já estão ocorrendo nacionalmente. Pela manutenção dos direitos adquiridos; não ao congelamento do salário dos servidores públicos – PLP 39;
- Denúncia do não acesso dos estudantes às aulas remotas, neste sentido, não poderá haver nenhum tipo de exigência por parte dos governos na avaliação desses conteúdos;
- Chamado à Greve Nacional da Educação, caso os governos chamem o retorno às aulas sem garantias à manutenção das vidas diante o contágio ao covid- 19;
- Suspensão do calendário escolar enquanto perdurar a pandemia sem nenhum prejuízo para os alunos e para todos os trabalhadores em Educação;
- Organizar campanhas de solidariedade aos que foram demitidos e de readmissão desses trabalhadores.