O reajuste de 33,23% no piso salarial do magistério, anunciado na última quinta-feira (27/01) pelo Governo Federal, reacendeu alguns debates importantes na categoria e em toda sociedade.
A mudança de postura do governo Bolsonaro, que inicialmente atuou contra o reajuste, inclusive através de notas técnicas do próprio Ministério da Educação, não significa um giro político, ou uma concessão aos trabalhadores em Educação, mas uma avaliação de que seria derrotado na Justiça, já que o reajuste está previsto em lei. A base de cálculo para a definição do índice de reajuste do Piso tem uma previsão legal, com base em regras definidas na legislação do FUNDEB.
Independente da posição do Governo Federal e dos Governos Estaduais e Municipais, será necessária muita luta e mobilização para que a lei seja cumprida. Abaixo listamos com detalhes todos os meandros que envolvem essa luta. Pedimos desculpas, mas não é possível uma explicação rápida sobre o tema, por isso pedimos paciência e que leiam todo o texto.
O que diz a lei do Piso (Lei 11.738/2008)
Art. 2o O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
§ 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.
§ 2o Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.
§ 3o Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo.
Note que neste trecho existem dois conceitos: um que diz que o piso é estabelecido para profissionais com formação de nível médio, na modalidade normal e que é valor abaixo do qual a União, Estados, Distrito Federal e municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras.
O outro conceito existente neste trecho é o da jornada de trabalho, a lei fixa a jornada de até 40h como referência. Abaixo, a lei aponta que os pisos das demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais a outras jornadas.
Jornada de trabalho
A primeira discussão travada com os governos foi em torno do debate da jornada de trabalho. A compreensão da maioria dos governantes foi que para jornadas inferiores a 40h, o piso seria pago proporcional à jornada, ou seja, desconsideram o até 40h.
Essa discussão foi judicializada e, infelizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a tese de que o piso pode ser pago proporcionalmente, caso as jornadas sejam inferiores a 40h. Isso, no entanto, não invalida a legítima luta para que essa não seja a regra aplicada, mesmo porque o piso é o menor salário e não o maior a ser pago.
Escolaridade
Já o debate sobre qual o nível da carreira que se aplica o piso e o grau de escolaridade, este ainda está em curso, em especial na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Este foi, inclusive, o centro da greve de 2020, quando a PBH propôs implementar uma metodologia de abono para que os trabalhadores que ainda estivessem no primeiro nível da carreira não recebessem abaixo do piso. Essa proposta significava uma quebra na carreira, pois não corrigiria o salário do primeiro nível e, em consequência disso, não incidiria sobre os demais.
A greve derrubou a política de abono, no entanto, acabou sendo interrompida subitamente em função da pandemia. A resultante não resolveu o problema: os dois primeiros níveis de nossa carreira foram eliminados e outros dois acrescentados no final, foi incluído no texto da lei que o nível 3 passaria a ser o primeiro nível da tabela de progressão da nossa carreira (embora isso seja óbvio). Essa não era nossa reivindicação e nem o ponto de acordo proposto.
O debate central com a prefeitura em 2020 foi o seguinte: Já que não existe mais ingresso de trabalhadores com nível médio em nossa carreira, para a PBH o primeiro nível da carreira é o nível 8 na Educação Infantil e o nível 10 no ensino fundamental.
É verdade que não há mais ingresso de profissionais de nível médio na prefeitura. No entanto, o salário do nível superior é calculado com base no piso de nível médio, logo o piso salarial nacional deve ser aplicado no primeiro nível da carreira, independente se há ou não ingresso nestes níveis. Essa não é uma luta fácil, mas necessária! No que diz respeito à valorização salarial, é a principal batalha do momento.
Junto a isso, outra batalha importante é que a possibilidade de progressão em nossa carreira seja estendida: que sejam aceitas mais, por exemplo 7 níveis referentes a formação superior à graduação e não 5.
O reajuste 33% do Piso Nacional
Outro debate que está em curso sobre a questão do Piso Nacional tem relação com o seu percentual de reajuste, que esse ano é de 33,23%. Este reajuste foi calculado de acordo com as regras estabelecidas na lei do piso. Confira abaixo:
Art. 5o O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.
Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.
A Lei 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB, foi revogada parcialmente pela Emenda Constitucional (EC) 108 e posteriormente regulamentada pela Lei 14.113/2020 e Lei 14.276/21 – nova Lei do Fundeb.
A alegação de prefeitos, governadores e, até alguns dias atrás, do próprio Ministério de Educação é que a lei do piso faz referência a lei 11.494/2007 parcialmente revogada pela EC 108 e que, portanto, não haveria no momento regulamentação ou referência legal para o reajuste do PISO.
Este argumento não se sustenta em absoluto, como aponta a nota da CNTE e estudos feitos por nós. O valor anual mínimo por aluno, como é citado na Lei do Piso, não deixou de existir, a Lei do Piso foi julgada e considerada constitucional e não foi revogada por nenhuma lei. A nova lei do Fundeb também traz o conceito de valor anual mínimo por aluno da legislação anterior que foi alterada por ela.
Neste momento este debate perdeu força, na medida que o Governo Federal recuou e promulgou o reajuste do piso nacional de 33,23%. Mas está sendo sustentado pela Confederação Nacional dos Municípios.
Sobre o FUNDEB e as receitas de Belo horizonte
A grosso modo, o FUNDEB é um fundo formado pelo recolhimento de 20% de alguns impostos recebidos pelos Estados e Municípios. Após o cálculo deste recurso, a Federação realiza uma complementação. Depois disso, o valor é distribuído para Municípios, Estados e Distrito Federal de acordo com o número de alunos matriculados nos anos de obrigatoriedade de cada ente federativo. Os Estados não recebem para estudantes matriculados na Educação Infantil e Municípios não recebem por estudantes matriculados no Ensino Médio. Municípios e Estados que não conseguem alcançar o valor mínimo do custo aluno recebem complementação da União.
Algumas das alterações mais debatidas na nova legislação:
Os recursos do FUNDEB não podem ser investidos de forma aleatória em qualquer função da educação. Na lei anterior, 60% do valor bruto do FUNDEB deveria ser investido na folha de pagamento do magistério, mas de acordo com a nova Lei a formulação muda, passando a vigorar da seguinte forma: 70% do valor bruto do Fundeb deve ser investido obrigatoriamente na folha de pagamento dos trabalhadores em Educação. A nova lei também aumenta em 10% o percentual mínimo obrigatório ao investimento na folha de pagamento, mas amplia o número de trabalhadores a serem considerados, visto que nem todos os trabalhadores em educação fazem parte do quadro do magistério.
Outra mudança muito importante é que o percentual de complementação do Governo Federal para o FUNDEB aumentará progressivamente:
- Até 2020 era de 10%
- Em 2021 passou para 12%,
- Em 2022 passará para 15%
- Em 2023 passará para 17%;
- Em 2024 passará para 19%;
- Em 2025 passará para 21%;
- E em 2026 para 23%.
Os valores alocados pelo Governo Federal continuarão a ser distribuídos para os entes federativos que não alcançarem o valor anual mínimo aplicado por aluno na Educação.
Os recursos do FUNDEB não são os únicos a serem considerados para o financiamento da Educação. Prefeituras e Estados devem destinar 25% da arrecadação de impostos e transferências para a Educação, e a Federação deve destinar 18%. Note que impostos e transferências não representam a totalidade das receitas dos Estados, Municípios e da Federação. Isso faz com que o percentual de receita investido pela Federação, por exemplo, raramente atinja os 4%.
Analisando a situação de Belo Horizonte1:
- Em 2020, BH teve uma receita total de R$12,737 bilhões
- Destes, foram investidos na educação R$2,013 bilhões (15,81% da receita total). Se considerarmos o piso constitucional da educação, foram aplicados 25,42% da receita de impostos e transferências.
- A arrecadação bruta do FUNDEB foi de R$951,307 milhões, a arrecadação líquida foi de R$444,853 milhões.
- Isto significa que, em 2020, a prefeitura arcou com R$1,568 bilhões com a Educação, se reduzirmos a arrecadação líquida do FUNDEB. No cálculo da determinação legal, até então em vigor, de 60% do FUNDEB a ser investido no magistério, considera-se o FUNDEB bruto.
- A folha de pagamento do magistério ficou em R$831,961 milhões, o que cumpre a determinação legal da época, de garantir 60% do FUNDEB com a folha de pagamento.
- Em 2021, Belo Horizonte teve uma receita total de R$ 14,223 bilhões;
- Destes, foram investidos na educação R$1,992 bilhões (14,01% da receita total). Se considerarmos o piso constitucional da educação, foram aplicados 25,12% da receita por impostos e transferências.
- A arrecadação bruta do FUNDEB foi de 1,190 bilhões de reais, a arrecadação líquida foi de 638,354 milhões de reais.
- Isto significa que, em 2020, a prefeitura arcou com R$1,354 bilhões com educação, se reduzirmos a arrecadação líquida do FUNDEB. No cálculo da determinação legal em vigor em de 2021, os 70% do FUNDEB que devem ser investidos nos profissionais em educação, considera-se também o FUNDEB bruto.
- A folha de pagamento dos profissionais em educação ficou em R$1,030 bilhões, o que cumpre a determinação legal de garantir 70% do FUNDEB com a folha de pagamento.
Esse é o motivo de não ter sobra.
A questão é: BH tem ou não margem para dar reajuste aos trabalhadores em educação?
Até 2016, 100% da totalidade dos recursos da educação eram investidos na folha de pagamento de concursados, de lá para cá muita coisa mudou. A terceirização foi radicalmente ampliada e o número de trabalhadores concursados cresceu significativamente, mas a receita própria do município também aumentou e muito, como aconteceu com a receita do FUNDEB. Mas, contraditoriamente, o percentual investido em salários despencou.
É normal que houvesse um equilíbrio, afinal outros investimentos em educação são necessários. Mas a movimentação passou longe de qualquer lógica de equilíbrio, inclusive, porque o município diminuiu o percentual de investimento na educação de 30% de impostos e transferências, para 25% de impostos e transferências, ou seja, caiu para o mínimo exigido.
É por todas essas considerações que chegamos a algumas conclusões:
Não há justificativa plausível para que a prefeitura de Belo Horizonte não aplique o valor do piso no primeiro nível da tabela de progressão de nossa carreira e que o mesmo incida sobre os outros níveis. Nem para que não haja a equiparação da carreira da Educação Infantil com o Ensino Fundamental. O mesmo reajuste precisa ser aplicado para AAES e os trabalhadores terceirizados têm direito a, pelo menos, o mesmo salário dos demais trabalhadores da prefeitura com a mesma função e a um plano de carreira.
1 Em todos os dados acima, considera-se com fonte o Relatório Resumido de Execução Orçamentária – 6º bimestre divulgado no SICONF-Tesouro Nacional. Esses dados, historicamente, nem sempre coincidem com os divulgados no FNDE.