O segundo dia de trabalhos do XIV Congresso da Rede começou cedo, nesta sexta-feira (17/11), no Sesc Venda Nova com a leitura do Regimento Interno do Congresso. Sem atravessar muitas polêmicas, o regimento foi aprovado com poucos destaques. Na condução da mesa, os membros da diretoria colegiada Luiz Bittencourt e Diana de Cassia deram o ponta pé inicial para um dia de muito trabalho.
Mais uma vez os membros da mesa relembraram a necessidade da solidariedade ao povo palestino, que passa por um massacre e extermínio sem precedentes na humanidade.
Mesa 1: Educação Pública e a privatização do ensino
Após a aprovação do regimento, foram convidados a compor a mesa os professores Regis Bittencourt (UFF), Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) e o doutorando Fabio Garrido (UFMG), para debater a privatização da educação pública em suas mais variadas formas.
Para o Professor Regis Bittencourt o interesse do empresariado brasileiro sobre a educação pública é antiga, ao menos desde o início do século XX. O professor relembro o papel da burguesia industrial na criação de um sistema de ensino profissionalizante próprio, o sistema S. Um sistema completamente voltado para o mercado, com formação técnica, voltada a prática do ofício e totalmente direcionado às demandas das empresas. Esse sistema funcionava em oposição ao sistema de educação profissional de Vargas, que era complexo demais para os empresários, pois continha matérias de formação humana, como história e filosofia. Para o empresariado brasileiro, a educação nunca teve a necessidade de se aprofundar em conhecimentos, tendo apenas o objetivo de aprender o trabalho e obedecer ordens, para cumprir as demandas do mercado. Esse tipo de projeto também sempre teve o apoio de setores conservadores da sociedade, pois funciona como uma contenção social e domesticação da classe trabalhadora.
A partir dos anos 90, a ofensiva neoliberal avança ainda mais no Brasil. Implementada a partir da reforma de estado do governo FHC. Papel do estado passa a ser financiar e gerir os serviços como uma empresa privada, a partir de metas, sistema de avaliação unificado, currículo unificado e na execução uma gestão orgânica com a sociedade civil empresarial a partir das PPPs. Junto a isso há uma ofensiva ideológica que critica a escola pública e exalta o modelo privado. Com um discurso de que a escola deveria priorizar a formação geral básica (linguagem e matemática) e competências socioemocionais. Esse discurso tem o objetivo de gerar uma adequação não só técnica, mas também ideológica do proletariado. Incentivo à aplicação da lógica neoliberal em sua vida, como o individualismo e o empreendedorismo (mesmo quando é de de si mesmo) como formas de crescimento econômico. Quando na verdade representam a precarização do trabalho.
Regis ainda ressalta que há uma outra dimensão da privatização, que é a apropriação de recursos públicos por setores privados. Esses setores sempre tiveram muito interesse nas verbas públicas da educação, que normalmente são maiores que as demais, tem recursos discricionários, dessa forma passam a surgir setores que afirmam fazer “investimentos sociais”, atuando no setores público com OSCs de educação infantil, gestão de escola, regimes de ensino apostilado, formação docente, gestão administrativa e consultorias de todo o tipo. Regis destaca que “investimentos sociais”, como qualquer investimento, presume a possibilidade de lucro.
Esse tipo de agenda é defendida pelo “Todos pela Educação”, que hoje dirige o MEC do governo Lula. A ONG defende que o modelo de educação crítica e de formação do cidadão seja alterada por um modelo que incentive a liderança, capacidade de comunicação, resiliência, que tenha “gestão educacional eficaz”, baseada no modelo privado, incentive o empreendedorismo, etc. O Todos pela Educação é financiado por grandes empresários através de suas fundações, como a Fundação Leman, Fundação Getúlio Vargas, Fundação Roberto Marinho e o contrato com milhares de ONGs de menor porte.
A consequências disso é o estreitamento curricular, competição entre profissionais e escolas por recursos e alunos, precarização do docente e a perda de autonomia, pois o currículo vem de fora. Ela fala de melhorar a qualidade da educação, mas sem aumentar o recursos para a valorização dos docentes e melhoria da estrutura das escolas, que passam a adquirir kits de robótica sem ao menos ter questões básicas de estrutura, como uma boa climatização para o período de ondas de calor.
Essa nova gestão pública tem impactado os docentes e causado adoecimento no trabalho. Além de ideologizar completamente a escola, com um discurso hegemonizante e disfarçado de isenção. Junto a isso, reduz também a formação do professor, que passa a ter um papel cada vez mais próximo de um facilitador ou instrutor, formado sem teoria, baseado na prática, em EAD. O que também dá mais margem para a desvalorização, e desregulamentação do trabalho.
Já o professor Luciano Mendes de Faria Filho, chamou a atenção para como o embaralhamento de sentidos, ou “polissemia dos termos”, tem sido utilizada para precarizar as políticas públicas. Ele cita o exemplo de como a Educação tem sido confundida com escola e até mesmo tempo de escola. Para Luciano, “a escola não é toda educação, diria inclusive que não é o fundamental da educação”. Ele provoca a reflexão de que os espaços de educação cívica e cultural da cidade de Belo Horizonte estão concentradas nas áreas nobres, sobrando aos filhos da classe trabalhadora apenas a escola. Nesses termos, o professor afirma que aceitamos com muita tranquilidade a ideia de uma educação integral. Mas que essa educação é traduzida simplesmente como mais tempo de escola.
Ele também questiona a noção de qualidade, que também é polissêmica. A noção, por exemplo, de que a escola pública boa era a de antigamente, e associa questões relacionadas a qualidade com a disciplina, o acesso reduzido, a reprodução de preconceitos que foram superados.
O professor ainda enumera alguns sentidos diferentes do que é a privatização da educação. Para o professor a privatização não é apenas o desvio puro e simples de patrimônio público para a iniciativa privada, esse é apenas um dos sentidos. Mas há também a transferência de recursos para as instituições, o ProUni e o Fies são exemplos disso. Hoje, há mais alunos estudando na rede privada com recursos públicos do que nas universidades públicas. E há também as concessões que inundam o ensino básico e médio.
Por fim, o professor fala sobre as possibilidades de ação. Inicialmente, ele cita que não há saída definitiva dentro do capitalismo, por isso a luta não deve perder a perspectiva de superação deste sistema. Segundo, ele afirma que é preciso pensar a educação para além da escola, entendendo todos os espaços de educação cívica e cultural como essenciais na formação. E terceiro, articular a luta pela escola com as demais lutas, criando uma estrutura de valorização dos profissionais da educação.
Fabio Garrido inicia sua intervenção apontando como o termo “parceria” tem sido utilizado como guarda-chuva para todo tipo de privatização. Desde contrato com OS, passando pelas conceção comuns, pela venda direta e até a Lei 11.079, que estabelece as Parcerias Público Privadas (PPPs) na escolas pública.
Se as parcerias com Organizações da Sociedade Civil assumem um papel central na gestão da escola. A Lei 11.079 leva isso a outro nível, dando aos empresários o domínio físico da escola. BH foi pioneiro nesse modelo, que a escola passa a ser praticamente de propriedade da Inova. “A diretora da escola não ficava nem com a chave da escola, não tinha autonomia pra fazer reuniões no sábado. Se colocar um cartaz ou pregar um prego sem autorização, pode ser acusada de destruição de patrimônio e vandalismo”, explica Garrido.
Com isso, a privatização leva primeiro a autonomia na gestão, depois a autonomia no espaço físico, e por fim o próprio trabalho, com o aumento da terceirização nas escolas. O interesse dessas organizações multilaterais globais em estabelecer esse tipo de parceria tem também duas dimensões. A primeira delas é financeira, pois a apropriação de verbas carimbadas faz com que esses entes privados tenham lucros na casa do bilhões, sem qualquer tipo de risco. Um aluno da PPP custa 147% a mais do que na escola pública, isso levou a Inova a declarar um lucro anual de mais de 1 bilhão de reais. A segunda dimensão é a disputa da hegemonia do estado, com a questão ideológica. Pois essas empresas, ONGs e OSCs tem cada vez mais participação nas decisões políticas e de orçamento do estado.
Apresentação das teses e contribuições
Antes mesmo de parar para o almoço, o XIV Congresso da Rede cedeu espaço para a apresentação das teses. A ordem de apresentação seguiu o da publicação no caderno de Teses e resoluções, que por sua vez foi definido por sorteio. Nesse momento a condução da mesa foi organizada pelos diretores Helbert Marconi Dos Santos e Rosmary Aguayo
Pedro Valadares apresentou a tese “Unidade para Combater a Ultradireita, para lutar em defesa de direitos e para avançar em Conquistas para a Categoria”; Luiz Bittencourt apresentou a tese do coletivo Esperançar; Maria da Consolação e Cristiane Nunes apresentaram a tese “É tempo de ocupar as ruas! Organizar as lutas populares, conquistar direitos, derrotar a extrema-direita e impedir a catástrofe ambiental!”; Wanderson Rocha e Barbara Mendes apresentaram a tese “Fortalecer a unidade e a luta, com independência de Classe”.
Também foram apresentadas as contribuições dos Professores aposentados, AAEs, Bibliotecários, dos trabalhadores com Deficiência. Além de uma contribuição sobre “Professores oprimidos e adoecidos” e a contribuição “Lampejos” do professor Eden Arcanjo.
Para acessar o caderno com o conteúdo de todas as teses e contribuições, clique no botão abaixo
Mesa 2: Apresentação das Contas da PBH e Fundeb
Após o almoço, os trabalhos foram retomados com apresentação das Contas da Prefeitura de Belo Horizonte e o Fundeb pelo pesquisador do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE), Gustavo Machado. A mesa foi conduzida pela diretora Tatiane Ferreira.
Gustavo apresentou o estudo bimensal que o Ilaese faz do Orçamento municipal, com ênfase no Fundeb e nos investimentos próprios da Educação. Os dados mostram como há anos a arrecadação de BH tem crescido em níveis muito maiores do que a inflação. Sendo em 2022 um crescimento duas vezes maior e em 2023, três vezes maior.
Gustavo também apontou que Belo Horizonte também se destaca por ter uma das maiores sobras de caixa entre as capitais em relação ao limite de gasto com os servidores. O pesquisador mostrou que o índice gasto com os servidores permanece muito abaixo do Limite Prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. Só em 2023, a PBH poderia ter gasto 1bi400mi no salário dos servidores. Ele indica que todo esse recurso tem sido utilizado para o aumento da terceirização, mais de um quarto do que BH arrecada vai para atividades terceirizadas.
O pesquisador também explicou que, por mais o Fundeb tenha apresentado crescimento nos últimos anos, devido o aumento da participação federal no Fundo, os investimentos em educação não tem acompanhado esse crescimento, pois a PBH diminui os investimentos próprios a medida que aumenta o montante do Fundeb. Assim, o percentual investido em Educação em relação à receita total do município tem caído através dos anos, pois a PBH mantém a média de gastos, mesmo em cenário de crescimento econômico.
Gustavo também alertou que a política de abono é uma política de precarização do trabalho, pois não significa ganhos salariais aos trabalhadores. Ele alertou que o Fundeb permanece apresentando uma dinâmica de crescimento, devido ao aumento da participação federal, porém, se não houver uma política de valorização do trabalhador pelo município, os salários permanecerão baixos, com pagamento de abonos ocasionais apenas para cumprir a obrigação de 70% do Fundeb bruto para o pagamento de pessoal. Quem tem a obrigação de investir na educação é a Prefeitura, o Fundeb é uma verba complementar.
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