O setor empresarial tem feito grande pressão para que o Congresso Nacional e o Governo Federal libere a compra, distribuição e aplicação de vacinas pelo setor privado. A iniciativa é encabeçada por bilionários Bolsonaristas como Luciano Hang (dono da Havan) e Carlos Wizard (fundador da Wizard), que sempre se opuseram às políticas de combate à Pandemia como o isolamento social e defenderam, junto ao presidente, o tratamento precoce sem comprovação científica.
Os empresários tem o apoio direto dos presidentes do Senado Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e da Câmara Arthur Lira (PP/AL). Eles articulam a aprovação do PL 948/2021, para facilitar ainda mais a vacinação pela iniciativa privada, já permitida pela Lei 14.125, de 2021, de autoria do próprio Pacheco e sancionada há menos de um mês por Bolsonaro. O novo projeto visa reduzir a obrigação de doação de doses para o SUS e diminuir o controle da Anvisa nas vacinas compradas pela iniciativa privada.
Defensores do projeto afirmam que o objetivo é auxiliar o Plano Nacional de Imunização (PNI), aumentando a cobertura de vacinação a partir da criação de novas filas pela iniciativa privada. No entanto, o projeto vai na contramão das recomendações dos especialistas de todo o mundo e pode aumentar desigualdades. Abaixo, listamos os motivos do porque somos contra a vacinação pela iniciativa privada e defendemos a fila única do PNI pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
1. Produção de vacinas é limitada
O PL 948/2021 cria a falsa impressão de que o atraso na vacinação no Brasil é devido a falta de dinheiro, mas isso não é verdade. Vivemos uma situação de escassez de vacina por todo o mundo e não há sobras de imunizantes em nenhum lugar.
O Governo Federal possui recursos o suficiente para imunizar toda a população brasileira, disponibilizando as vacinas gratuitamente pelo SUS e respeitando a ordem estabelecida pelo PNI, assim como já fez com outras doenças. O atraso na fila de vacinação tem a ver com a demora do Governo em se mobilizar para garantir a compra das vacinas primeiro, nos posicionando no fim da fila mundialmente.
2. Vacinação não é proteção individual, sua eficiência depende da imunização coletiva
Nenhuma vacina é 100% eficaz, mesmo vacinados é possível adoecer e transmitir o vírus, por isso a pandemia só estará sob controle com a vacinação em massa, que cubra ao menos 70% da população. Por isso, o planejamento rígido é tão importante.
O PNI prioriza a vacinação para pessoas com maior risco de adoecimento e morte e de grupos que estão mais expostos a doença, como o de profissionais de saúde. Além da questão ética, o objetivo é evitar (ou ao menos atenuar) o colapso nos sistemas de saúde e funerário.
Se o critério passa a ser priorizar quem pode pagar ou até mesmo a vacinação gratuita de funcionários das empresas que podem pagar, o planejamento do Ministério da Saúde fica comprometido. Seria uma inversão de valores, que priorizaria o retorno produtivo de determinadas empresas e não a saúde pública com a preservação das vidas o controle da transmissão.
3. A entrada da iniciativa privada pode gerar um aumento de custos
Se os governos de diversos países não estão conseguindo comprar imunizantes, o que garante que empresas conseguiriam? Em um cenário de escassez, o tipo de negociação envolvida para priorizar a disponibilização de imunizantes para a iniciativa privada em detrimento do governo de algum país só aconteceria se houvesse outros interesses em jogo, como a possibilidade de valores mais altos.
Por isso, especialistas apontam que a entrada de iniciativa privada pressionaria o mercado fornecedor de vacinas, gerando insegurança nas negociações em curso, o que traria mais malefícios que benefícios para a população.
4. Aposta mundial é a imunização gratuita e planejada pelo estado
Em todo o mundo a vacinação tem acontecido de forma pública, gratuita e sob forte planejamento estatal. Mesmo países que não tem tradição de investimento na saúde pública, como é o caso dos Estados Unidos, a vacinação acontece a partir de um forte controle do estado, com proibições expressas de venda de imunizantes para a iniciativa privada.
As principais farmacêuticas desenvolvedoras de vacinas, como Pfizer, AstraZeneca, e Jansen também já declararam que só pretendem negociar com governos federais. O mesmo já foi dito pelos institutos brasileiros Fiocruz e Butatan. A preocupação das produtoras é garantir que não haja distorções na percepção da eficácia de seus produtos em caso falhas na imunização em massa. Porém, algumas farmacêuticas com a indiana Bharat Biotech e a russa Sputnik V já têm negociado com a iniciativa privada e governos municipais e estaduais de alguns países.
Em todo o mundo, apenas 5 países permitiram a compra de vacinas pela iniciativa privada, são eles México, Paquistão, Tailândia, Filipinas e Malásia. Além do Brasil, Guatemala e Colômbia também seguem o caminho para a liberação da compra por empresas.
5. Projeto enfraquece a Anvisa, o SUS e a soberania nacional
Um dos pontos polêmicos do PL 948/2021 é a permissão de compra e distribuição de vacinas não autorizadas pela Anvisa, caso já tenham o aval de agencias internacionais reguladoras de saúde reconhecidas pela OMS. A flexibilização não vale para as doses adquiridas pelo poder público.
Esta iniciativa tem o objetivo de enfraquecer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e acelerar o processo de desregulamentação para a aprovação do uso de medicamentos no país. O que é um ataque para a soberania nacional e um perigo para a população.
Além disso, o dispositivo não beneficia em nada o SUS, pois mesmo com a obrigatoriedade de doação de metade das doses compradas, as vacinas sem registro da Anvisa não poderão ser utilizadas pelo Plano Nacional de Imunização. Isso gera insegurança jurídica e abre brecha para que empresas entrem na Justiça para poder utilizar 100% das doses compradas.
6. A vacinação privada é campanha de marketing para empresas
O objetivo dos empresários ao vacinar seus funcionários é justamente aumentar a pressão para a retomada das atividades presenciais e abandono do distanciamento e demais medidas de segurança (que custam alto para a empresa), além de propagandear compromisso social com uma grande ação de marketing.
Porém, do ponto da Saúde pública, a utilização de vacinas não autorizadas pela Anvisa representa um grande risco para estes funcionários, que serão colocados em circulação sem a garantia de proteção individual e antes da possibilidade de imunização coletiva.
7. Contato de pessoas vacinadas e não vacinadas facilita o surgimento de mutações resistentes a vacina
O grande temor mundial em relação a pandemia está no surgimento de novas variantes do vírus que apresentem maior potencial de infecção, risco de morte e resistentes à vacina. Especialistas afirmam que o isolamento social não pode ser descartado com a vacinação, justamente porque a exposição constante ao vírus, seja de pessoas imunizadas ou não, favorece o surgimento de mutações como as variantes P.1 (brasileira), B.117 (inglesa) e B.1351 (sul-africana).
O efeito manada para reabertura não pode ser ignorado. O retorno a “normalidade” dos trabalhadores de empresas que podem comprar a vacina incentivará a pressão para que mais setores deixem o isolamento social, mesmo aqueles que não tem condições de comprar imunizantes. Caso isso aconteça, vivenciaremos uma nova explosão de casos que não poderá ser controlado nem com a ampliação da vacinação.
8. Venda ilegal de vacinas pode crescer
Já temos visto uma grande quantidade de vendas de imunizantes falsos e “camarotes da vacina” investigados pela Polícia Federal. Com menos possibilidade de controle social, sem regulamentação da Anvisa, sem fiscalização pública sobre a compra e distribuição de doses, a importação pela iniciativa privada estará mais sujeita ao desvio de vacinas para venda ilegal.
A movimentação do mercado paralelo também incentivará o número de vacinas falsificadas, o que representa um risco para a saúde das pessoas.
Atraso no PNI é culpa de Bolsonaro
O atraso brasileiro foi causado pela falta de Planejamento do Governo Federal. Como o Brasil foi escolhido para ser local de testes de diversas vacinas de todo o mundo, tivemos a oportunidade de fechar contratos com antecedência com várias laboratórios.
Porém, Bolsonaro não investiu em pesquisa, ignorou propostas de parcerias, sabotou iniciativas locais, se posicionou contra a quebra de patentes e causou problemas diplomáticos com a Índia e a China, o que gerou atrasos na importação de insumos para produção local de vacinas.
O presidente apostou todas as fichas na imunização de rebanho a partir da contaminação sem isolamento social, independente do número de mortes que essa política geraria. Junto a isso, fez a opção política de investir milhões em tratamentos precoces sem comprovação científica, para incentivar as pessoas a saírem de casa.
Além de não resolver o problema, a compra de imunizantes pela iniciativa privada aprofundará desigualdades e criará novos inconvenientes. Além disso, com a alta de casos, que quebra recordes todos os dias no país, é preciso medidas mais duras de restrição de circulação e políticas protetivas para que as pessoas possam ficar em casa sem passar necessidades.
Não há outro caminho, para que a imunização brasileira avance e a pandemia seja controlada no país, a necropolítica de Bolsonaro precisa ser derrotada.