Desde o final de 2020 a pressão pela reabertura das escolas tem crescido em todo o país. O principal setor envolvido neste movimento são os donos de escolas privadas, que tem sentido o impacto financeiro do grande número de cancelamento de matrículas e inadimplência; dos trabalhadores do setor, que percebem os seus empregos ameaçados e de alguns pais, preocupados com a saúde mental de seus filhos e com a dificuldade de ter com quem deixá-los enquanto estão no trabalho.
Um monitoramento Unesco apontou que a pandemia já impactou 80% da população estudantil de todo mundo. Mais de 150 países fecharam as portas das suas escolas para frear a contaminação de Covid-19 em seus países, mas poucos deles mantiveram as escolas fechadas por tanto tempo quanto o Brasil. Alguns países da Europa e da Ásia realizaram experimentos de retorno a partir de protocolos rígidos para um processo gradual de retomada, essas experiências apresentaram diferentes níveis de sucessos e fracassos.
O Estado de Minas Gerais, assim como a prefeitura de Belo Horizonte, cada um ao seu modo, construiram protocolos para o reinício das aulas e, teoricamente, as escolas estariam se preparando para um possível retorno. As conversas com Ministério Público e prefeitura apontam para um retorno gradual começando pelas crianças menores. Em algumas cidades do estado já foram anunciadas datas para o retorno presencial.
O que dizem os defensores do retorno
Na china crianças usam chapéu com hélices de helicóptero para não se aproximarem mais de 2 metros
A preocupação econômica tem base material. De fato algumas instituições de ensino privadas, sobretudo as escolas de educação infantil e ensino fundamental que se concentram nos bairros e pequenas cidades estão fechando as suas portas e suspendendo ou encerrando contratos de trabalhadores, várias correm o risco de encerrar as atividades em definitivo.
Junto a isso, cresce também estudos que apontam que crianças, sobretudo as mais novas, tendem a desenvolver quadros de Covid mais leves, ou mesmo assintomáticos e, em consequência disso, apresentam uma taxa de contágio e transmissão mais baixa se comparado à adultos, representando menos de 10% dos casos de infecção e menos de 1% da taxa de internação e mortalidade. Baseado nesses estudos, um grupo de Pediatras criou um manifesto “Lugar de criança é na escola”, onde defende que os Governos estabeleçam protocolos rígidos para a retomada das aulas.
Além das pesquisas sobre as taxas de transmissão, o manifesto leva em consideração fatores complexos apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) que alertam para riscos à alimentação, segurança, a saúde física e emocional dos alunos em decorrência da suspensão das aulas, ponderando ainda sobre o risco da evasão escolar, que aumenta estatisticamente a medida que as crianças e jovens perdem o vínculo com a escola.
Outros elementos também colaboram pela defesa da reabertura, como o aumento da desigualdade pedagógica, o aumento da violência e abandono doméstico, a dificuldade dos responsáveis pelas crianças que retornam ao trabalho de onde deixar os filhos e o crescimento de disturbios mentais como depressão e ansiedade entre as crianças e adolescentes.
Porém, diferente do que muitos pensam, mesmo os autores do manifesto não defendem que o retorno presencial aconteça sobre qualquer circunstância, nem mesmo que ele aconteça agora, diante do aumento de casos nessa segunda onda da pandemia. O manifesto defende a necessidade de realização de reformas estruturais que permitam as escolas se adaptarem a esse novo momento, com rodízio de alunos, vacinação prioritária dos trabalhadores em educação, mas principalmente, uma inversão de prioridades, com mais investimento educação, redução da circulação de outros setores da cidade, como os bares, restaurantes, eventos e comércio e o aumento da oferta de transporte público, para evitar aglomeração.
Por que somos contra
Embora as taxas de contágio sejam menores em crianças menores, as dificuldade de fazê-las seguir protocolos são gigantescas.
Para os trabalhadores em educação o retorno às atividades sem vacinação é um problema de grande magnitude, por uma série de motivos práticos. O desafio de reabertura de forma segura é imenso e observando a experiência de outros países, é preciso manter os dois pés atrás para qualquer iniciativa que não coloque a vida em primeiro lugar.
Antes de mais nada, é preciso combater a concepção ideológica que interpreta o não retorno das atividades escolares como algo que dependesse exclusivamente da coragem e vontade dos trabalhadores em educação, como se os professores e demais trabalhadores fossem preguiçosos e estivessem se esquivando do trabalho. Essa concepção é grave e contraproducente, não somando em nada para o debate que visa priorizar a educação, a saúde e a vida de todos os atores envolvidos na escola.
É preciso levar em consideração que, mesmo que as taxas de contágio de crianças e adolescentes sejam menores que as de adultos, elas não são nulas e são potencializadas pela dificuldade ou impossibilidade de forçar crianças menores a seguir “protocolos.” Além disso, o retorno das atividades presenciais nas escolas aumenta significativamente o movimento na cidade, o deslocamento dos pais e o volume de pessoas no transporte coletivo, o que também aumentaria a taxa de contágio.
O número de professores e demais trabalhadores em educação disponíveis também seriam um grande empecilho para a implementação do retorno a curto prazo. Na Educação Infantil, para que os protocolos estabelecidos tenham uma eficácia de 50% a 60% seria necessário ao menos triplicar o número de professores e, no mínimo, dobrar o número dos demais trabalhadores em educação. No ensino fundamental, o número de professores teria de ser ampliado em pelo menos 1/3 e pelo menos dobrar o número dos demais trabalhadores.
Com muitas adaptações em especial construção de novos banheiros para que os intervalos de uso fossem respeitados, e instalação de pias para manter regularidade na higienização das mãos, estudantes iriam frequentar presencialmente a escola uma vez por semana, em alguns casos duas vezes. A não ser que o retorno presencial seja apenas para determinadas idades (estimativa foi construída a partir de uma análise de uma escola padrão médio da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte).
Não podemos perder a perspectiva da segurança dos trabalhadores, se por um lado as crianças são menos afetadas pelo vírus, o número de trabalhadores com comorbidades na Rede Pública Municipal é bastante acentuado, e isso geraria um dificultador adicional.
É preciso desconstruir essa lógica para cobrar das autoridades um plano de factível de efetivação de medidas sanitárias e uma avaliação séria de sua eficiência. A simples comparação com países como França, Israel e China é pouco produtiva, visto que estes países iniciaram a sua adaptação a pandemia a partir de pontos de partida e culturas, sociais e tecnológicos completamente diferentes.
Monitoramento extensivo através de câmeras com sensores infravermelhos e uso de drones controlam a temperatura de todos os estudantes em Escola chinesa e identificam os primeiros sinais de sintomas
A China, por exemplo, implementou o uso de câmeras infravermelhas que monitoram a temperatura corporal de todos os alunos durante todo o período escolar. Na França, os trabalhadores e estudantes são testados com regularidade, e caso haja a presença de sintomas ou teste positivo, a pessoa é isolada e também é realizado um rastreamento dos contatos próximos, com risco de terem contraído a doença. Em Israel o quantitativo de alunos por professor foi reduzido para no máximo 10, que saem de 5 em 5 para o recreio com a tutoria de profissionais que garantem o distanciamento. É preciso ressaltar que mesmo com essas medidas citadas, entre as diversas outras não enumeradas, houveram casos de contaminação em massa que exigiram o fechamento das escolas logo em seguida. Isso foi observado em Israel, Portugal, Espanha, Inglaterra e em diversas províncias dos Estados Unidos.
No Brasil, os investimentos em educação sempre estiveram muito abaixo das necessidades da Educação, mesmo antes da pandemia. Para mudar essa realidade se faz necessária uma verdadeira inversão de prioridades para resolver problemas estruturais antigos das escolas.
Vacinação do grupo prioritário é o primeiro passo
Diante do exposto e com a proximidade da chegada efetiva da vacina. O Sind-REDE/BH questiona, “será que vale a pena correr o risco? Quantas vidas estamos dispostos a perder, sejam de crianças, adolescentes e jovens ou trabalhadores das escolas? Qual é o risco aceitável? Para nós, trabalhadores em educação, nenhum risco vinculado à escola é aceitável”.
O apelo do “mercado” e todo o negacionismo de que o isolamento social seria a melhor saída para a pandemia gerou a explosão da segunda onda de casos, que se mostra ainda mais acentuada que a primeira. Para garantir o distanciamento, as pessoas não devem se deslocar de suas casas, evitando o contato com outras pessoas.
Por isso defendemos que a volta as aulas só aconteça após a vacinação, de todo o grupo de risco e dos grupos prioritários (até a fase 4). Para que isso possa acontecer mais rápido, é necessário que os trabalhadores em Educação estejam posicionados na frente dessa fila.
Sabe-se que, mesmo com a vacinação, os protocolos ainda terão que ser seguidos, talvez por todo o ano de 2021. Mas, com os grupos de risco vacinados, as crianças teriam ainda menos chances de adoecer, não haveria o risco de um sistema de saúde estrangulado e os trabalhadores imunizados teriam condições de dar atenção aos estudantes que aparecessem na escola com sintomas.
Mais do que ninguém, os trabalhadores em educação estão preocupados com o desenvolvimento cognitivo e escolar dos estudantes e com riscos psicossociais que envolvem a não retomada das atividades escolares. Mas, estes danos são causados pela pandemia e não seria a simples reabertura das escolas que poderiam resolvê-los, principalmente porque essa reabertura não se daria em um contexto de retorno à normalidade.
O Brasil é um país com desigualdades nunca resolvidas, estas desigualdades são ampliadas em momentos de crise. Nestes momentos as escolhas são limitadas a minimizar as perdas. Não há outra escolha possível a não ser a que coloque a vida em primeiro lugar.