Cumprir a lei do piso é questão de vontade política e não falta de recursos

"Responsabilidade fiscal" não é prerrogativa do Judiciário, por isso é descabido suspender leis que cumpriram o rito legislativo.

A decisão liminar que suspendeu os efeitos da Lei que estabelece o piso salarial da Enfermagem, expedido pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso a pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços (CNSaúde), é mais uma amostra de que as instâncias máximas do poder judiciário sempre cedem aos interesses dos ricos e poderosos.

A verdade é que o argumento de inconstitucionalidade de uma lei que cumpriu todo o rito legislativo, com aprovações na Câmara e Senado, sanção presidencial e promulgação é totalmente descabido. A falta de uma previsão orçamentária não invalida a sua aplicação, principalmente por se tratar do cumprimento das regras pelo setor empresarial, que ao menos em tese, não deveria depender de recursos públicos para pagar os seus funcionários.

O Piso Nacional do Magistério (Lei 11.738/2008) também foi alvo do Supremo Tribunal Federal, quando Estados e municípios buscaram brechas interpretativas na lei para que salários mais baixos que o piso continuassem a ser pagos aos professores, o STF considerou que o piso poderia ser pago de forma proporcional para jornadas de trabalho inferiores a 40h. Sendo que a lei deixa claro que o piso deve ser o menor valor a ser pago ao trabalhador da educação básica “para jornada de, no máximo, 40 horas semanais”. O Supremo também não tem tomado qualquer medida contra as prefeituras e estados que têm achatado a carreira dos educadores como forma de burlar a lei do piso, como é o caso de Belo Horizonte. O ex-prefeito Alexandre Kalil e posteriormente Fuad Noman (ambos do PSD), adotaram o método de eliminar os níveis iniciais da carreira para não pagar proporcionalmente os aposentados e frear o efeito cascata da valorização da carreira nos níveis finais.

O poder judiciário também tem sido utilizado para impedir o pagamento do piso nacional do magistério aos trabalhadores da rede estadual de ensino. O Governo estadual de Romeu Zema (Novo) recorreu ao Tribunal de Justiça para inviabilizar a aplicação da Lei 21.710/15, que obriga o estado a pagar o piso de forma integral aos professores. Após ter seus vetos derrubados pelo legislativo, o governador apresentou uma medida cautelar, argumentando falta de detalhamentos financeiros. Contudo, o governo ignora o aumento de recursos gerados pelo novo Fundeb. A decisão do Tribunal de Justiça ainda é temporária, mas considerando o histórico recente de suspensão do piso da enfermagem, é difícil ter esperança em uma posição favorável para a Educação vinda do Supremo.

Ao mesmo tempo que barram o cumprimento de leis do piso salarial, os ministros do STF, que gozam do privilégio de receber os maiores salários do funcionalismo público, pleiteiam um reajuste de de 18% em seus já altos salários. Por ser um poder independente, o judiciário tem a possibilidade de determinar de quanto será os seus próprios reajustes, que só depois devem ser aprovados pelo poder legislativo. Além disso, por se tratar do teto constitucional, o aumento no salário dos ministros gera um efeito cascata para juízes, desembargadores e procuradores das demais instâncias.

Caso seja aprovado pelo legislativo, o salário dos ministros da corte passará de R$39.293 para R$ 46.366. Segundo o Instituto Fiscal Independente, embora contemple apenas uma pequena aristocracia, o impacto financeiro pode chegar a R$ 1,8 bilhão só nas contas de 2023 e cresce nos anos seguintes, chegando a R$ 5,5 bilhões em 2024 e R$ 6,3 bilhões de 2025 em diante.

Quando se trata de seus próprios reajustes, a responsabilidade fiscal do STF desaparece.


Diretoria Colegiada do Sind-REDE/BH