Aprovação do Marco temporal na Câmara é consequência da tentativa de conciliar o inconciliável

Com julgamento do STF marcado para esta quarta, novos protestos estão programados

A aprovação do Marco Temporal (PL 490) na Câmara dos Deputados no dia 30 de maio, foi uma imensa derrota do modelo de governabilidade adotado por Lula, que sem enfrentamento, se coloca como refém de um Congresso reacionário. Mas é sobretudo uma imensa derrota para o país e para os povos indígenas, que mais uma vez são utilizados como moeda de troca na barganha com o Legislativo.

Numa legislatura que consegue ser ainda pior do que as duas últimas, têm adiantado pouco o executivo fazer concessões a partidos do Centrão, pois o apetite por poder de Arthur Lira (PP-AL) e seus aliados é insaciável. Se os trabalhadores viram com muita esperança o discurso ambientalista ganhar força, como nunca antes, na campanha eleitoral de Lula e os indígenas ganharem pela primeira vez um ministério já no início do seu mandato, ver o governo aceitar sem luta que as pastas sejam esvaziadas após quatro meses de gestão gera uma grande desilusão.

Mas com a retomada do julgamento do Marco Temporal pelo STF (Supremo Tribunal Federal), nesta quarta-feira (07/06), diversas etnias indígenas planejam atos contra o texto que ataca gravemente o direito dos povos originários aos territórios. Até o momento, o “placar” da corte está empatado em 1 x 1. O relator do processo, ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor. O julgamento está paralisado desde setembro de 2021.

O texto afirma que somente terá direito à terra, àqueles que provarem a vivência no território até 5 de outubro de 1988, data da criação da Constituição Nacional. O julgamento do STF é importante, pois baseará as decisões nos demais processos de demarcação.

Mobilizações

Desde a segunda-feira (05/06), cerca de 2 mil indígenas estão acampados na Praça da Cidadania, na Esplanada dos Ministérios. Eles permanecerão mobilizados durante toda esta semana, enquanto ocorre o julgamento.

A exigência é que a corte vote a favor das etnias Xokleng, Kaingang e Guarani na disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A procuradoria do estado questiona os indígenas baseando-se na tese do marco temporal.

As mobilizações dos povos originários também pedem justiça para o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips. A dupla foi assassinada há cerca de um ano por membros de um grupo de pesca ilegal, no entanto, pouca coisa mudou na região após o crime.

Além das mobilizações em Brasília, povos indígenas de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul realizaram atos de rua e fechamentos de rodovia para protestar contra a aprovação do Projeto na Câmara e pressionar pela inconstitucionalidade do Marco Temporal no STF.

O que será julgado pelo STF

O julgamento do STF não tem a ver diretamente com o Projeto de Lei aprovado na Câmara (PL 490/07) na semana passa e que agora segue para o Senado Federal como PL 2093/23. A votação na Câmara foi uma tentativa de se adiantar ao julgamento do STF para beneficiar a bancada ruralista.

Mesmo sem uma legislação vigente sobre o assunto, a tese do marco temporal tem sido utilizada em disputas judiciais para impedir demarcações. As terras indígenas são um direito garantido pela Constituição de 1988, que em seu texto garante o direito originário dos indígenas sobre as terras, que deveriam ser demarcadas pela poder público até 1993, o que infelizmente não foi efetivado.

Como o direito à demarcação não existia até o momento da promulgação da Constituição, diversos juristas utilizam este marco para impedir que terras tomadas pelo estado e por grandes latifundiários sejam devolvidas aos povos originários, a menos que eles provem que já estavam lá, antes dessa data. O que está em votação, portanto, é constitucionalidade dessa tese.

O problema da tese, é que ela ignora os conflitos e expulsões que aconteceram antes de 1988, não cria nem sequer alternativas ao indeferir demarcações em determinado território, como a transferência da demarcação para outro local, o que na prática é uma assimilação cultural forçada, que viola a Constituição. O texto ainda exige provas documentais de povos que sempre estiveram lá, mas nunca se preocuparam, ou tiveram acesso a mecanismos, que documentassem essa permanência. Por outro lado, para o agronegócio, sempre foi muito fácil conseguir documentos grilados para forjar ocupações que nunca existiram.

Votação de hoje no STF do Marco Temporal

Na votação de hoje (07/06), o ministro Alexandre de Moraes emitiu seu voto contrário à teoria do marco temporal deixando a votação em 2 a 1 contra o Marco Temporal. No entanto, o ministro André Mendonça pediu vista do processo, e a avaliação do caso foi suspensa. Conforme as regras internas do Supremo Tribunal Federal, ele terá 90 dias para devolver o processo para análise da corte.