É consenso entre os especialistas, independente de seu campo político, que o Brasil tem um sistema tributário confuso e injusto. Há muitos impostos para a mesma finalidade, a divisão entre os entes federativos é desproporcional, há distorções gritantes em relação as isenções fiscais e, principalmente, o sistema tributário brasileiro é baseado no imposto sobre produtos, o que atinge linearmente todos os brasileiros, independente de sua renda.
Dessa forma, há de se imaginar que qualquer reforma tributária que simplifique o sistema tributário possa ser positiva. Mas, não é isso que acontece com a proposta do Governo Bolsonaro e do ministro da economia Paulo Guedes. O PL 3.887/20 é a primeira de 4 fases da Reforma Tributária do Ministério da Economia, que deverá vir fatiada em etapas para que não precise ser apresentada como Emenda a Constituição, que depende de mais votos para ser aprovada no Congresso. O PL se resume basicamente na criação de um novo imposto: a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com o objetivo de unificar dois tributos sobre produtos já existentes, o PIS e o Cofins. Há de se imaginar que a fusão de dois impostos representaria também a redução de seus valores, mas a proposta de Guedes vai na contramão da lógica e propõe o aumento de uma alíquota que hoje vai de 3,65% à 9,25% (PIS+Cofins) para um valor único de 12% (CBS). Por outro lado, a tributação dos bancos será mantido no valor atual, que é de 5,8%.
Ao criar um novo imposto de base ampla, que afeta diretamente o consumidor final e com aumento na alíquota, o maior prejudicado vai ser o trabalhador, que sentirá o peso de ao menos 3% de aumento em cada compra que fizer.
Além disso, a proposta causou polêmica por incidir em Livros, que constitucionalmente são isento de impostos. Isso acontece, porque a cobrança do CBS será “por fora” da produção, vinculada ao produto final. Independente da forma como incidirá o imposto, um aumento de 12% nesses materiais, fundamentais para a educação, tornará o acesso à leitura que já é restrito no Brasil, ainda mais difícil. O argumento do governo é que o livro é um produto de elite, logo, quem compra pode pagar um preço maior. Escritores, educadores e membros do mercado editorial preveem que o tiro possa sair pela culatra, com a redução de venda de títulos e aumento de fotocópias e versões digitais piratas.
Em um país de grande desigualdade social como o Brasil, era de se esperar que uma reforma tributária tivesse como primeiro foco a correção dessa desigualdade. Portanto, antes de se pensar em um imposto de base ampla, o ministério já deveria ter estruturado uma reforma que cobrasse mais impostos dos mais ricos e menos dos mais pobres.
Isso poderia acontecer de diversas formas, com uma estruturação progressiva mais justa das alíquotas do imposto de renda, que aumente a faixa das isenções, reduza os valores cobrados para quem recebe até R$ 10.000 e aumente os valores gradativamente para quem recebe mais do que isso; a criação de impostos sobre grandes fortunas (que sozinha arrecadaria R$ 272 bilhões por ano ); imposto sobre heranças; cobrança sobre a remessa de lucros e dividendos; a tributação sobre patrimônio; além do fim das isenções de IPVA para aeronaves (aviões, jatinhos e helicópteros) e embarcações (Iates, lanchas, jetski), essa geraria um impacto de R$ 4,7 bilhões por ano na arrecadação.
Outras propostas
O governo já se organiza para apresentar as próximas fases da reforma tributária, mas ainda não apresentou datas definidas para cada uma delas. Segundo o secretário especial da Receita Feral, José Tostes, A segunda parte deve prever a simplificação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). A terceira prevê uma mudança no IRPJ (Imposto de Renda para Pessoa Jurídica) e a criação da tributação de dividendos. A quarta parte da reforma deve reduzir a contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários e criar a “nova CPMF”, que é um imposto sobre movimentações financeiras, que tem forte rejeição da população.
Também está em discussão no Congresso Nacional outros dispositivos que podem ser adicionados à estas fases da reforma Tributária. Um deles é o chamado “imposto sobre o pecado”, que visa onerar mais os produtos considerados mais prejudiciais à saúde como o cigarro, álcool e alimentos ricos em açúcar e sódio como o refrigerante. O Congresso também avalia a criação de um “imposto verde”, que afetaria diretamente as empresas mais poluentes e oneraria a emissão de carbono na atmosfera.