O juiz substituto da 21ª Vara Federal de Brasília, Rolando Valcir Spanholo, já ficou conhecido por suas decisões liminares em favor de entidades que buscam furar a fila do Plano Nacional de Imunização (PNI).
A sua primeira decisão neste sentido aconteceu no início do mês, favorecendo o Sindicato dos Motoristas Autônomos de Transportes Privado Individual por Aplicativos do Distrito Federal (Sindmaap). A decisão liminar permitiu que o Sindicato importasse vacinas contra o novo coronavírus pra vacinar os seus associados. Logo em seguida, a decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Mas a decisão do Tribunal não desencorajou o Juiz, que uma semana depois, no dia 10/03, concedeu o mesmo benefício a outra entidade, que “coincidentemente” representa os próprios magistrados (juízes e desembargadores). A partir de ação impetrada pela Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages), os juízes pleitearam vacinar não só os seus associados, mas também os seus respectivos familiares.
Vale ressaltar que as duas decisões foram concedidas antes mesmo da sanção presidencial da Lei 14.125/2021, de autoria do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM/MG). A lei passou a permitir a compra de vacinas pela iniciativa privada e por estados e municípios. Até então, a compra de vacinas era de atribuição exclusiva do Governo Federal.
Acontece que a lei também coloca algumas regras para a importação. A primeira delas é que, enquanto não imunizados os grupos prioritários previstos no PNI, todas as vacinas importadas devem ser destinadas para doação ao SUS. Após o término desta etapa, está permitida a importação, distribuição e administração de vacinas, desde que sejam atendidos os requisitos legais e sanitários e que pelo menos 50% (cinquenta por cento) das doses sejam, obrigatoriamente, doadas ao SUS e as demais sejam utilizadas de forma gratuita.
Não satisfeito com as restrições, ontem (25/03) o Juiz concedeu novas liminares a 3 entidades: o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, a Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo e o Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Na liminar, Spanholo considerou inconstitucional o artigo que obriga a doação dos imunizantes (ou parte deles) para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por se tratar de uma liminar, a decisão é provisória e ainda cabe recurso.
Em seu argumento, o “juiz fura-fila” afirma que a permissão para pessoas jurídicas, sejam elas entidades ou empresas, adquirirem vacinas visa aumentar o número de doses disponíveis no país e acelerar o processo de vacinação.
Além do problema moral da decisão, que visa passar na frente da fila de vacinação pessoas que apresentam menos risco de contágio e morte (justamente por isso não estão na prioridade do PNI), o argumento do magistrado não leva em consideração que existe um problema de escassez na produção mundial de vacinas. A negociação a partir de entidades privadas podem gerar uma elevação de preços e dificuldades adicionais para a aquisição dos imunizantes pelos entes federativos.
A imunização é uma ação coletiva e não uma proteção individual. A eliminação do vírus só vai acontecer a partir da cobertura de mais de 70% da população. Atitudes como esta, só reforçaram a perspectiva individual de que “se a farinha é pouca, o meu pirão primeiro” e isso representaria uma verdadeira sabotagem do PNI. Se uma empresa tem condições de comprar imunizantes, o Estado brasileiro tem ainda mais condições para negociar em grande escala, portanto a concorrência não apresenta qualquer benefício para a população e ampliação da vacinação brasileira.